quarta-feira, 10 de dezembro de 2008


UM COPO DE CÓLERA, UMA FUGA OU VOLTA PARA SÍ

Um Copo de Cólera, o último grito do escritor brasileiro Raduan Nassar, ou quem sabe uma fuga ou volta para si. Mais do que a própria história, a linguagem barroca, toda essa vibração de vida que a obra nos transmite, a possível presença do autor em cada palavra, é o que nos leva a não somente ler esta obra, mas a reler.
Encontramos nesse autor vários traços barrocos, da materialidade da linguagem, com termos eruditos e palavras que expressam as emoções fortes do amor, amor e ódio, amor e dor, mas amor.
Seguindo o pensamento de George Simmel, “ o importante não é ter encontrado algum tesouro, mas escavar”. Atrevo-me a dizer que o processo de escavação de Raduan foi curto, porém intenso, completo, parando de escavar no momento em que não quis mais ser domesticado por regras e teorias. Mas continuou e creio que continua presente sua essência através de suas obras, porque toda presença para ser presença precisa de um pouco de ausência. Barrocamente falando, através de sua ausência é que sua presença mais se solidificou.
Após escrever Um Copo de Cólera, o autor silenciou e como diz José Castello em seu ensaio “Segredos Íntimos”, o silêncio de Raduan é um dos silêncios mais ruidosos da literatura. Ruidosa porque além de sua literatura ser um enigma para nós meros leitores, ela nos leva através dos sentidos e da emoção á uma racionalização meio irracional, que produz uma profunda inquietação.
Uma inquietação em meio ao silêncio do autor que tão bem se utilizou das palavras e do exagero de emoções em suas obras. Palavras que denotam a instabilidade de sentimentos de seus personagens, jogo de palavras, um dizer e um silenciar. Seria Raduan tão instável assim a ponto de calar quando muito tinha á dizer?
Um Copo de Cólera, um embate entre um discurso racional e irracional, uma luta interior que as vezes se confundem com a luta do leitor, uma batalha travada entre homem e mulher que se utilizaram da arma mais poderosa que existe capaz de destruir e ao mesmo tempo construir, as palavras.
Homem e Mulher, seres sem nome, não sem identidade, não sem emoção nem sem palavras. Seres que se encontram, que muito tinham a dizer, a aprender, dois opostos que se olham com a mesma dor.
Ao idealizar a figura da mulher, penso que Raduan a visualizou como quem retrata a literatura, sempre tão exigente, manipuladora porém submissa. Já o Homem, este pode ser a figura do próprio autor e seus desejos de liberdade, de poder ser ele mesmo, de não precisar ter que se comportar como escritor, apenas ser.
Quem sabe o contexto dessa obra seja represente a libertação do autor para com as regras, um momento de insubordinação, de cólera mesmo que o homem (Raduan) estivesse sentindo pela mulher (literatura), que a todo tempo queria tê-lo nas mãos.
Nesta armadilha de palavras e cobranças o autor desejou desaparecer, preferiu a criação de galinhas á criação de amarras.
Esse conflito entre opostos, esses desencontros de sentimentos e essa explosão de cólera exposta em palavras diz muito sobre o autor, diz muito sobre cada um de nós, meros leitores.
Uma literatura insatisfeita e exigente, um escritor que não quer mais ser domesticado, prefere a razão e a emoção juntas e parte para a ação.
A ação maior de Raduan foi a de se aventurar a dizer o que pensava em obras que não publicou, em entrevistas, seminários e declarações. Em uma destas declarações o autor diz não morrer de amores pela espécie e acrescentou “... eu acho que o homem é uma obra acabada...”. Apesar desta declaração, o que percebemos em seus personagens é justamente o contrário, homem e mulher identidades incompletas, sempre em processo de formação à cada leitura que fazemos.
Para quem diz não morrer de amores pela espécie, o autor se mostra um grande conhecedor dessa “obra acabada”, e qualquer semelhança que possa haver entre personagens e leitores, autor e a inquietação da própria língua, não é mera coincidência.
Também não é a toa que o capítulo inicial de Um Copo de Cólera, bem como o capitulo final é intitulado “ A chegada ”.Intencionalmente colocados de maneira que representam homem e mulher, princípio e fim, seus delírios, o efêmero e o eterno, um momento de amor num minuto de cólera.
A vida literária de Raduan, também teve uma ‘ dupla chegada”, no inicio o amor, depois a repulsa e por fim o retorno, a fuga e a volta para si, porque ele parou de escrever mas, não deixou de ser escritor.



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